DESFILE DAS INSPIRAÇÕES


Lembro-me das paradas de 7 de Setembro e de 2 de Julho em Salvador, dos maravilhosos momentos em que pude desfrutar com o meu pai. Algo tremendo acontecia ali, e ressoava para o futuro que agora se tornou presente. Sendo eu uma pequena criança, que desejava ansiosamente ver o desfile, me encontrava em estados atribulantes, porém, edificantes. Sempre em minha frente, havia aquela multidão que formava uma espécie de paredão, e tentava olhar pelas brechas que se formavam entre as pernas das pessoas, mas era sempre uma visão fragmentada que não satisfazia a minha vontade de ver, de conhecer. Então meu pai, atento a minha dificuldade, costumava me tomar em seus braços e me colocava sobre os seus ombros, então tudo se tornava mais visível.           

A objetivação dessa experiência se tornou componentes das minhas crenças, dirigindo modos de perceber a construção do meu repertório de inspirações. As inspirações são presenças no discurso. Neste sentido, tomo este relato de presenças alicerçadas, sobretudo nas relações afetivas de um pai, que põe seu filho nos ombros para ele poder ver melhor, do que de relações de poder que ele tinha para me fazer ver. Desta mesma maneira, digo que durante a minha vida, em especial aqui, como pesquisador, estive diante de conteúdos que almejei/almejo compreender, mas que na sua frente havia/há paredões que, com a minha pequenez/falta de maturidade, me impediam/impedem de vê-los. E semelhantemente ao que ocorria naquelas paradas, tive/tenho a graça de poder subir nos ombros de autores, professores e amigos. Todos eles me têm ajudado a ver melhor. O maravilhoso disso também está no fato de que uma vez nos ombros dos autores, repetimos essa atitude de se colocar sobre. Tantos também subiram nos meus ombros e puderam ver assuntos dos quais tenho uma carga maior de leitura.  

Esse modo de ver constitui também nossas verdades, que nada mais são que as opiniões de outras pessoas que assimilamos em nosso sistema de crenças. Essa ideia de ver os conteúdos nos ombros dos autores pode parecer bastante de inspiração iluminista, mas, como já citei, minha relação aqui nasceu da afetividade, contudo também não quero negar essa outra possibilidade da relação do “poder dos gigantes”, que pode contradizer o discurso que apresento nos ensaios, fortemente inspirado na fenomenologia. Aqui não há esse temor, porque faço desse espaço para o discurso que revela minhas densas subjetividades, como espaço em que me autorizo a contradizer-me, na plenitude do ser homem ordinário traidor das palavras nos atos e dos atos nas palavras. Ainda que se possa pensar nas relações de poder dos gigantes, de sua alta estatura e grau de amadurecimento (força nos ombros para suportar pesos) não poderemos negar que olhos continuaram sendo os nossos.  

As minhas compreensões têm sido forjadas assim, entre o calor dos homens que formam os paredões e os que me fazem ver sobre eles. O processo dessa pesquisa tem sido desta maneira: com fortes emoções brotando em mim sobre os ombros dos outros. E quem às percebem pensam, como ocorria naquelas paradas, que eu choro de emoção porque estou vendo o caboclo/conteúdos. Não, não é! – estive/estou nos ombros de alguém que é comprometido comigo; que se preocupa em me fazer ver melhor. Estou comprometido e preocupado semelhantemente agora, quero que vejam o que estou vendo! Vejo o Professor/homem ordinário como um lugar, um mundo a sua maneira que não pode ser conhecido, mas compreendido.        

SANTOS, Flávio Fernando Ribeiro dos. Desfile das inspirações. p.35-36 In:  A formação do professor/lugar: uma introdução às compreensões artístico-geografizantes. 131 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.

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